Lamentando, certa vez Platão citou Sócrates: “Se os homens aprenderem isso, isso implantará o esquecimento em suas almas; eles deixarão de exercitar a memória porque confiarão naquilo que está escrito”. O filósofo falava, claro, da tecnologia mais recente daquela era antes de Cristo: pergaminhos escritos à mão.
Sempre tivemos uma história complicada com invenções. Se, por um lado, somos levados a criar ferramentas que tornem as nossas vidas mais eficientes, por outro, não podemos deixar de nos sentirmos um pouco inseguros em relação a estes novos passos, mesmo quando somos obrigados a dar-lhes. Com todas as novas tecnologias, surge um grande receio de que as nossas formas anteriores de saber estejam se perdendo. Faz parte pensarmos, por assim dizer, que tenhamos de viver nos tempos antigos ou no século XXI.
Reuniões do corpo docente (de pequenos grupos ou de todo um departamento) têm se tornado comuns a fim de identificarem se textos de diversos formatos ou artigos acadêmicos estão sendo escritos pela inteligência artificial (IA). Após o lançamento do ChatGPT no final de novembro/2022, o que percebemos é que alguns de nossos alunos, repentinamente, tornaram-se “especialistas” em sintetizar pesquisas e organizar seus trabalhos de conclusão de curso (no caso das graduações e certificados afins), o que – muitas vezes – resulta em notas perfeitas atribuídas às suas tarefas escritas. Trata-se de uma experiência um tanto vertiginosa tentar estar à frente da tecnologia enquanto lutamos para encontrar maneiras de lidar com essa plataforma impressionante, aparentemente muito bem equipada para ajudar nossos alunos a concluírem suas tarefas sem esforço.
Parece que já estivemos nessa mesma situação a partir dos anos 90, quando tínhamos quase a certeza de que os motores de busca na Internet haviam arruinado totalmente o ensino. Apesar daqueles tempos de insegurança, decidimos aprender a nos apoiar na tecnologia, em lugar de nos distanciarmos dela. Professores e bibliotecários começaram a integrar formatos online na experiência de aprendizagem, com sucesso e muitas vezes com resultados altamente desejados. E tem funcionado perfeitamente!
Mas no momento em que começamos a relaxar, acometidos de uma sensação presunçosa de domínio, surge a IA alterando todo o negócio. Com nossas lições sobre inclinação não muito tempo atrás de nós, sabíamos que tínhamos que adotar aquela nova tecnologia. E também sabemos que temos que adotar essa atual e nova tecnologia. Além disso, também sabíamos que o software de detecção não ficava muito atrás e, então, foi lançado no semestre seguinte. Afinal de contas, a melhor maneira de dominar um monstro é criar um outro mais poderoso ainda.
Entretanto, com essa nossa pressa de controlarmos a tecnologia, é possível que possamos ter ignorado os presentes que nos foram dados através da IA. Na verdade, essa nova invenção pode nos levar a um nível de aprendizagem superior, e só agora estamos aptos a desbloquear todo o potencial disso nas nossas salas de aula.
Vamos às maneiras pelas quais os estudantes e os educadores podem se beneficiar do uso da IA e elas incluem:
A criação de uma oportunidade para repensar a igualdade de gênero na tecnologia;
Oferecimento de suporte para pessoas que estão aprendendo uma segunda língua;
A habilitação de técnicas de instrução alternativa para aprendizagem atípica;
Ensinar os alunos a compartilhar e aprimorar os seus conhecimentos.
Oportunidade para repensar a igualdade de gênero na tecnologia
Imagem: Unsplash
A desigualdade de gênero no desenvolvimento tecnológico e na concepção dos utilizadores é um desafio bem conhecido; expandir o uso da tecnologia faz parte da solução. Melinda Gates, recentemente, deu uma série de entrevistas soando o alarme sobre o preconceito inerente à IA centrado no homem, além de outras preocupações.
Para transformar a IA numa ferramenta mais neutra e orientada para o indivíduo, os educadores podem comprometer-se a ensinar e apoiar que se utilize os decodificadores de gênero, que são algoritmos que deletam a falta de inclusão de gênero, e outras modalidades destinadas a alcançar o equilíbrio do design.
Em larga escala, as Nações Unidas estão trabalhando numa agenda a fim de abordar essa e outras preocupações na sessão do Pacto Digital Global, no segundo semestre de 2024, visando “delinear princípios partilhados para um futuro digital aberto, livre e seguro para todos”. No entanto, em um nível individual, cada um de nós pode encorajar e inspirar os alunos em nossas salas de aula a considerarem como abordar questões tão complexas como o preconceito de gênero na sua própria utilização (e concepção) de ferramentas tecnológicas. A disparidade de gênero STEM continua a ser uma área de atenção muito necessária e que nós, como educadores, podemos trabalhar ativamente para melhorar nossas aulas.
Apoio a pessoas que aprendem o inglês como segunda língua
A IA oferece às pessoas que estão aprendendo inglês novos e aprimorados caminhos para uma comunicação mais eficaz. As ferramentas de modelagem de IA de idiomas podem ajudar os alunos com pronúncia, gramática e tradução, respondendo em tempo real por meio de bate-papos simulados e técnicas de questionários.
Alguns formatos permitem, até, que os alunos gerem imagens 3D com base nas instruções escritas, criando uma experiência multissensorial instantânea à medida que desenvolvem as suas competências linguísticas. O benefício para nossas salas de aula é imensurável aqui, pois pode envolver os alunos em seu nível de proficiência, ajudando-os a acompanhar seus colegas e o fluxo do material da aula.
Essa tecnologia também pode ser revertida, auxiliando estudantes falantes de língua inglesa na aquisição de línguas estrangeiras. Estas ferramentas estabelecem as bases para satisfazer as necessidades de uma economia do século XXI, em que as competências de comunicação global são essenciais tanto para estudantes como para professores.
A Instrução Alternativa para Aprendizagem Atípica
Estamos tratando de uma virada de jogo para estudantes neurodivergentes ou aqueles com necessidades educacionais especializadas. Os desafios visuais ou auditivos podem ser eficazmente resolvidos com o uso da IA, pois os programas podem ser codificados para comunicar através da linguagem gestualoutraduzir palavras escritas em fala. As configurações de IA também podem fornecer aos alunos áudio, imagens ou materiais baseados em projetos, de acordo com feedback personalizado.
Um dos pontos fortes do software é que ele pode ser solicitado a explicar o mesmo conceito de diversas maneiras diferentes. Isso permite que os alunos trabalhem repetidamente em assuntos difíceis até localizarem uma explicação do material que lhes interessa.
Além disso, os investigadores descobriram que alguns alunos com autismo ou TDAH, por exemplo, respondem de forma mais positiva às aulas ministradas por robôs do que outras abordagens que têm sido utilizadas. Uma das principais descobertas é que os bots mecanizados não demonstram feedback facial que possa ser interpretado como falta de apoio ou julgamento. Pesquisas mais amplas estão atualmente em curso, indicando que esta é uma área de investimento de crescimento para as nossas escolas.
Ensinando os alunos a compartilharem e aprimorarem seus pensamentos
Os alunos não deveriam usar a IA para escreverem seus trabalhos, mas ela pode ajudá-los a começarem a parte mais difícil: a organização. Há professores que incentivam os alunos a usarem o ChatGPT, com a finalidade de facilitar o brainstorming de tópicos. Isso inclui o uso de IA para projetar esboços, aprender sobre os principais projetos fundamentais (como construir uma tese) ou integrar citações estilizadas apropriadas. Dessa forma, é o ponto de partida para a pesquisa, e o trabalho pesado vem do outro lado das informações obtidas no software.
Por exemplo, uma vez que a IA é extremamente propensa a falhas factuais internas, os alunos devem verificar os fatos e cruzar referências de cada afirmação gerada pela ferramenta. O pensamento crítico entra em ação à medida que os alunos devem localizar, ler e determinar a legitimidade de cada fonte original. O próximo passo é formular e expressar suas próprias ideias sobre o assunto. Desta forma, encorajamos uma boa dose de ceticismo nos nossos alunos, motivando-os a assumir o controle do conteúdo gerado pela tecnologia, em vez de serem consumidores passivos dela.
Embora o futuro da IA não esteja muito claro, tal como acontece com todas as novas invenções (desde pergaminhos escritos à mão até robôs falantes), estou aprendendo a aceitar os contratempos que podem surgir com esses avanços gigantescos, na esperança de que a IA nos forneça ferramentas inovadoras para ajudar cada aluno a atingir seu potencial mais elevado.